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As aventuras (e desventuras) de uma lusitana em terras do Oriente
Lá fora o ar continua estranho. A febre das máscaras chegou, até na sala de aula algumas pessoas estavam a usar. Colega americano do lado inclusive, parece que a professora de gramática gozou com o pessoal pela indumentária facial. A brincar a brincar, estamos todos cépticos mas alarmados com a situação. Dá para rir, verdade seja dita que não se sabe que raio de fumo é este, se mata ou não, se envenena ou não. Não se sabe e não será pelos chineses que se vai ficar a saber.
Eles, sabendo ou não, gozam com a situação, desdramatizam, ridicularizam os nossos medos, "ai os laowais (estrangeiros) são tão dramáticos", pensam eles certamente. Agora que me parece grave parece, se vou usar máscara parece-me que não, adiantará de alguma coisa, não respiramos nós o ar poluído de igual modo, só se fosse uma daquelas máscaras que filtram o ar, agora estas máscaras de enfermaria, mas bom.
Não tem piada mas às custas disto ainda gozei o prato com a minha amiga indiana a dizer que estas máscaras parecem a que os dos cães usam para não morder em outros cães/pessoas. Teve piada, o colega americano é que pode não ter achado muita.
Ai China, China, até quando a matar meio mundo lentamente. Um dia, tenho cá para mim, que conseguirás.
Depois de há algum tempo atrás as águas municipais terem sido poluídas, hoje a cidade está debaixo de um cerrado manto de fumo tóxico provocado por uma fuga numa unidade industrial que produz ou lida com químicos altamente tóxicos. O ar está irrespirável, este fumo pode ser letal se a exposição for grande. Queima pele, olhos, garganta, e é uma maravilha para os pulmões. E está por todo o lado e está cada vez pior.
Sair de casa é impossível e vai-se lá saber quando isto vai passar. Sair só com máscaras mas mesmo as máscaras não protegem ninguém dos efeitos desta gigante nuvem de fumo.
E é a China a continuar a poluir as nossas vidas, a contaminar tudo, e não pensem que é só um acontecimento local, infelizmente afecta o mundo todo, só que só quem vive aqui é que o vê e sente. E é tão grave mas tão grave, não é só poluição, é poluição causada por um país, ou uma superpotência mundial que não olha a meios para atingir os fins pondo fatalmente em causa o futuro da humanidade.
E ninguém faz nada, lá está, quem manda é o poder económico, não a consciência ambiental nem sequer a preocupação com a segurança de milhões de habitantes.
"Estou a trabalhar nisso, juro!". A julgar por isto não parece nada que esteja mesmo:
@Wuhan 11-07-12
Hoje a passar pelas residências dos estudantes chineses não pude deixar de ficar admirada e enojada com as condições a que estão sujeitos. Espaços escuros, cheios de mosquitos, pequenos, mal arejados, mal construídos, pobremente adornados, quartos mais pequenos que o meu com 4 camas e quê, 2 secretáriasp para 4 estudantes, com redes para os mosquitos e sem ar condicionado (o que aqui se torna imprescindível com invernos rigorosos e verões a lembrar o Inferno*) em edifícios com um aspecto muito pouco dignificante.
A Rita diz que injusto, principalmente se compararmos as nossas boas condições com este tipo de condições, mas é como alguém, um dia, me disse, quem disse que a vida era justa? E sinceramente neste caso não penso que se trate de justiça ou não, trata-se antes de números, eles são aos milhares, nós, os estudantes internacionais, umas centenas.
A China é uma loucura em termos de números, mete-me mais medo do que espanto. Mas isso fica para um outro post.
*Se alguém quiser ter uma ideia de como é o Inferno na terra é favor vir cá em pleno Verão.
Se há coisa que sinto falta é disso mesmo, bater perna, sair por aí pela cidade e andar, andar, andar até me fartar. Mas como fazer isto nesta cidade é o equivalente a levar com toda a poluição em cima, a do trânsito, a das pessoas, a do ruído, e ainda correr o risco de ser atropelada por um maluco (e eles são aos milhões o que aumenta as probabilidades disso acontecer) ou ser esmagada entre alguns dos 9 milhões que saem todos à rua, às vezes tenho a sensação que combinam sair sempre todos ao mesmo tempo, e a sensação de claustrofobia é gigante. Sinto-me impotente perante tanta gente, e ter de me desviar a cada dois segundos quer de pessoas, quer de motos e bicicletas que, inclusive, não respeitam os passeios dos peões e andam prali a apitar e a abrir caminho "na desbunda" como se nós, os peões, é que, feitos estúpidos, lhes andássemos a obstruir o caminho.
Isto aliado à inexistência de espaços verdes, espaços sossegados, espaços sem gente, espaços prazenteiros de estar, ir relaxar sossegadamente, respirar ar puro, parar por um bocado, esquecer a loucura da cidade, esquecer a loucura que é a China, e contemplar só e apenas a natureza e tirar prazer de um momento de calma é tipo uma miragem no deserto, um oásis por construir.
A Rita não me percebe, eu que me queixo a toda a hora da loucura e disparate que é esta cidade, a sensação de claustrofobia que sinto por viver nela, a sensação que tenho de me sentir a sufocar quando tento sair da Universidade para ir por aí, nem que seja, só ali à rua abaixo, ao supermercado mais próximo, ao shopping do lado. Ela não percebe e diz que é assim por toda a China, e eu até percebo que ela não perceba, porque nunca viveu noutra China, e de certa maneira, invejo-a, porque lá está, pelo menos não tem termo de comparação.
Eu tive a sorte ou o azar de viver em Shanghai, uma cidade gigante sim, poluída também, barulhenta e com trânsito infernal, sim tudo isso. Mas nunca antes, enquanto lá vivi, tive a sensação de ser esmagada assim, de me sentir sufocar, de me ver entalada entre as multidões. E agora que penso nisso, que saudades, quando palmilhava a cidade por onde me apetecesse, sempre com vontade de andar, de ir, de bater perna, de me perder nela, de ir mais longe, das ruas em que se podia andar, do espaço que nunca faltava, das noites de grandes caminhadas, dos parques, dos cafés, dos bares, dos quartiers, dos recantos cheios de encanto e, pasmem-se, do silêncio e calmaria.
Uma cidade que, além de oferecer espaços maravilhosos, oferecia também isso, a possibilidade de desfrutar de uns bons momentos em paz, com espaço, com calma, com tempo. Saudades desses caminhadas, dessa cidade, dessas noites que batia perna sem nunca parecer que isso me deixava cansada, que deixava mas de um modo bom, que deixava o corpo pesado, mas a cabeça leve.
É muito por causa disto que eu odeio esta cidade, porque andar nela me cansa, me envenena a cabeça e o corpo. É a vida em Wuhan no seu melhor.
*correcção: bater perna e não pé, bater pé é mesmo aqui, e não poucas vezes.
Acho imensa piada quando as pessoas que vivem na China cosmopolita e civilizada segundo os standards ocidentais, e aqui incluem-se cidades como Shanghai, Pequim e, no extremo da balança, Hong Kong digam que depois de ter vivido na China já nada os surpreende. Pois sim, pois sim, subscrevo, agora, o único problema é que o que eles chamam de China não corresponde à verdadeira China. Aquela que fica fora dos limites destas cidades mencionadas, porque China chinesa e verdadeira é tudo menos essas cidades criadas à imagem internacional tal qual perfeitas imitações do mundo ocidental.
A verdadeira China fica bem para lá dos limítrofes dessas cidades, e sinceramente gostaria de ver essas pessoas, as que dizem que já nada os surpreende, a passar uma temporada na verdadeira China, e aí sim, passada essa temporada, poderem dizer, com propriedade, que já nada os surpreende.
Eu com sorte ou azar (alguns dirão azar certamente) tive a oportunidade de conhecer ambas, a China artificial e a real, sendo que, muitas vezes, esta, a real, me causou muito desconforto porque o choque cultural é tremendo, posso dizer, garantidamente, que valeu a pena a experiência, uma vez que a verdadeira China é esta e a verdadeira experiência cultural, com as suas coisas boas e más, acontece precisamente aqui.
Aos que não sabem o que é a China mas dizem que já nada os surpreende garanto que, certamente, iriam ficar surpreendidos com muita, mas muita coisa que se passa na China, na chinesa e não na internacional.
Mas lá está é como a imagem explica:
Não tenho hábito de cuspir no prato que como, e muito menos ir em generalizações ou ser injusta à toa mas esta semana a impressão que os chineses me tem deixado não tem sido a melhor daí as palavras menos simpáticas a seu respeito. Bem sei que dizer que os chineses fazem todos parte do mesmo rebanho não é justo, ainda que, a verdade seja, num sistema comunista onde foram, desde pequenos, levados e até mesmo obrigados a pensar em colectivo, e a serem ensinados a não pôr nada em causa, sem se poderem expressar nem levar a cabo, na maior parte das vezes, a sua vontade e, no fundo, terem sido privados de toda e qualquer liberdade de expressão, de pensamento e de acção faz deles este povo muito pouco pro-activo, e mesmo até, oprimido e, totalmente, domesticado pelo regime comunista.
Porque apesar dos problemas que enfrentamos em qualquer democracia do mundo, jamais saberemos o que é viver em ditadura e/ou comunismo, numa sociedade em que o mais forte dita a sorte do mais fraco e não lhes dá margem de manobra. Sendo a tentativa de manobra sinónimo, muitas vezes, de morte, etambém, por isso, é mais que compreensível que este sistema tenha ainda, às custas de tão forte repressão, longos dias de vida pela frente. Não há escapatória, a liberdade porque muitos anseiam fará correr sangue, como já hoje faz, de uma maneira imprevisível.
Pouca coisa há que possa dizer que gosto mais nesta cidade que em Shanghai (para quem não sabe eu adoro Shanghai que em comparação com as outras cidades chinesas que conheço e com esta então é tipo uma cidade civilizada dentro dos parâmetros a que estamos acostumados). Recentemente tenho ouvido falar muito bem de Dalian. Pequim não fiquei particularmente fã, como turista sim, mas há quem defenda que é melhor que Shanghai, não em termos de poluição contudo.
Mas bom hoje vim aqui deixar um ponto positivo acerca de Wuhan, que ao que consta é a maior cidade da China, e bem que acredito. O trânsito é de loucos, em Shanghai também pelo que me lembro, mas o ponto positivo é que aqui as buzinadelas não são uma constante, antes pelo contrário, verifico com agrado que os condutores, que conduzem mal que se farta, pelo menos evitam ao máximo apitar, salvo raras excepções. Das coisas que não sinto saudades alguma de Shanghai é dessa estúpida mania dos condutores estarem constantemente a buzinar por tudo e por nada como se não houvesse amanhã, é uma poluição sonora que não se aguenta.
Nota: Em Wuhan andar de táxi também é muito mais barato que em Shanghai, sendo que lá o taximetro começa a contar a partir dos 14 RMB, aqui é a partir dos 6 RMB. É uma diferença que faz mesmo toda a diferença, hoje fiz de táxi mais de 15 km em 20 minutos e paguei apenas 30 RMB (€3,70) em Shanghai nunca ficaria por menos de 60/70 RMB (€8).
Vi este trabalho graças a um colega que o postou no fb e fiquei bastante agradada como estas fotografias conseguiram espelhar tão fidedignamente a China na actualidade. São fotos esmagadoras, com uma conotação muito forte mas mais do que isso, são fotos reais que espelham bem a sociedade chinesa de hoje. Vale a pena vê-las, reflectir, e assim compreender um pouco melhor o que é a China hoje, não só aquilo que vem nos jornais, como a futura maior potência mundial e como o país mais influente em matéria económica. Estas fotos não focam o rico, focam antes uma sociedade cada vez mais de contrastes, espelham a grande percentagem que é pobre e indefesa. Vale a pena. Não as publico directamente porque isso vai decerto contra N direitos de autor mas para quem quer ter uma perspectiva mais real do país onde eu vivo cliquem aqui. Vale a pena ver as fotos, ler as legendas e reflectir sobre elas.
Hoje no autocarro (sim eu ando em autocarros, sempre porque táxi fica caro para o meu bolso de estudante e porque é quase impossível apanhar táxis vazios nesta cidade, hoje tive novamente a prova disso) que estão quase sempre à pinha, vocês não tem mesmo noção, é mesmo até não caber mais um alfinete porque as pessoas não param de entrar, entrar, não tem limite, é ridículo, mas bem, dizia eu, então hoje apanhei um autocarro apinhado e uma rapariga que ia perto da porta lateral, eu diria esmagada contra ela, ela e mais uns quantos, para terem noção do cúmulo que é, a rapariga quando o motorista fechou a porta a moça ficou com o braço preso na porta e começou a gritar para o motorista parar, mas com tanta gente o motorista não ouviu e ela ainda ficou a gritar com o braço preso algum tempo até que o motorista ouviu, e abriu a porta e a moça lá tirou o braço, mas depois as portas não se queriam fechar e toda a gente a gritar ao motorista que fechasse as portas, o motorista que quase não queria parar lá teve de abrandar até que as portas se fechassem não fossem as pessoas cair com o autocarro em movimento com as portas abertas. Foi surreal. Já pouca coisa me espanta, já começo a ficar vacinada mas há coisas mesmo surreais.
Estas fotos espelham também isso. Coisas surreais mas que por aqui é mais do mesmo, como se as vidas destes milhões de pessoas fossem menos valiosas porque os números são medonhos.
Daqui ressalto este comentário:
When will China be able to let every citizen live a happy and open life? Just look at this corrupted society, some children can’t afford to go to school, can’t afford to see the doctor, yet some high officials indulge in extravagant feasting and revelry every day. Us poor ordinary common people, only when seeing these kinds of circumstances, do we extend a hand and help them, help them by doing what is before our eyes. But after we’ve helped them today, how about tomorrow? And the day after tomorrow? This corrupted society is the root of all problems!
Este grupo, Things foreigners NEVER say in China, é de top e como nem toda a gente é facebook ò user, coisa ao que parece bloqueada no reino do meio, mas só aparentemente e para os chineses que não sabem o que é uma freegate (também para os estrangeiros que não gostam de pagar para ter a janelinha anti-censura aberta).
Mas bom partilho convosco porque acho que este grupo está qualquer coisa de sensacional. É um apanhado do que os estrangeiros (nós, os aliens) pensam sobre os chineses e como vêem as maravilhas culturais (e não só) que se passam neste reino. Eu só vos digo, há coisas surreais a passar-se debaixo do nosso nariz (Às vezes mesmo literalmente debaixo) e depois olha, dão origem a posts memoráveis como estes:
Para quem não sabe, eu vivo na China profunda. Uma cidade mesmo no centro da China, com quase tantos habitantes como a população total de Portugal. Uma cidade em desenvolvimento. A maior cidade em que já vivi, é cidade que nunca mais acaba, talvez por ser constituída por outras 3 que de tanto crescerem se fundiram numa para dar origem a Wuhan.
Já várias vezes saí da cidade, e voltei a entrar mas nunca antes me havia chocado tanto voltar como da última vez que isto aconteceu. Foi quando voltei das minhas férias por outra Ásia muito mais civilizada. Uns dizem que quando se vai de férias é normal estranhar quando se volta, outros concordam que é mesmo um choque chegar a um sítio destes seja qual o sítio de partida.
Distanciamento. A sangue quente escreveria coisas horrendas sobre Wuhan. No dia em que cheguei fez-me sentir mesmo miserável. Suja, cansada, sem forças, com vontade de desaparecer daqui e nunca mais cá por os pés. Deixar para trás a falta de educação das pessoas, a falta de espaço físico, a falta de sol, a falta de ar puro, a incapacidade de nos movermos facilmente de um lado para o outro, o trânsito caótico, a sujidade das ruas, a sujidade e falta de civismo dos habitantes, o ruído ensurdecedor das suas ruas, as lixeiras a céu aberto, o céu cinzento e poluído, o caos de cada esquina, o cheiro insuportável das ruas e ruelas, o comportamento rude das pessoas, os empurrões, os escarros constantes, o desrespeito pela decência humana e o corte com tudo o que de normal e estético estamos acostumados.
A sangue quente escreveria pior, por isso, não escrevi. Ia ser muito mau.
Esta cidade dá-me náuseas, por isso, não tenho por hábito aventurar-me nela muitas vezes.
As suas gentes, que se dividem entre gente rica, ou podre de rica, e gente muito pobre vinda das aldeias mais recônditas da China são o espelho de uma China contemporânea, uma China entre aquilo que quer ser, e que ainda não é. Esta é a verdadeira China, desenganem-se os espertinhos que pensam que Shanghai é China. China é tudo o que saí portas fora de cidades como Shanghai. Shanghai é uma imitação barata de qualquer cidade ocidental. Uma imitação mas que já enche bem as medidas de qualquer um.
Há quem defenda que viver num sítio destes é preferível, sim se considerarmos que aqui além de estudar não há muito mais que fazer, e que não há tentações nocturnas nem culturais como em cidades cosmopolitas. Mas desenganem-se se pensam que aqui consegues melhorar o chinês. É mentira, as pessoas desta cidade, quer sejam estudantes ou não, têm uma mentalidade tão fechada que eles não querem falar connosco, os laowais. Nós somos só fonte de curiosidade, somos as aberrações, rara vez um estrangeiro se pode sentir à vontade fora dos limites da universidade, os chineses com os seus olhares percrustradores e irritantes não permitem. É um olhar doentio que choca e fere à vista, e quando não acompanhado por comentários.
Aberrações, aqui é o que somos, aberrações que tentam a muito custo comunicar em chinês com esta gente da aldeia. Wuhan = aldeia à escala gigante.
Nota: Eu não vivo aqui, sobrevivo. É, óbvio, que não escolhi viver aqui, escolheram por mim. Penas infligidas a quem estuda às custas do governo chinês.
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