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As aventuras (e desventuras) de uma lusitana em terras do Oriente
De um dia para o outro passei de estudante a professora, e, às vezes, acho que ainda não encaixei bem esta mudança repentina. Ontem via-me a criticar os meus professores, hoje vejo-me a tentar não imitá-los, não lhes seguir os maus exemplos, a tentar dar o meu melhor ainda que isso exija mais de mim do que seria suposto ou normal, isto porque sou-vos sincera tenho tido de assumir uma postura de durona nas aulas e não sei até que ponto quero ser uma professora que massacra os alunos.
Massacrar no bom sentido, no sentido de os obrigar a esforçarem-se mais, de os obrigar a estudar, a estarem atentos, a respeitarem-me acima de tudo e até agora não tenho tido problemas, mas nem sempre é possível com quase 200 alunos mantê-los a todos no caminho certo. O rebanho é grande demais para conseguir salvar todos os carneirinhos.
Tenho adorado ensinar, sinto um grande orgulho nisso, verdadeiramente, não sei até que ponto fui feita para esta tarefa que é uma das mais louváveis do mundo, ensinar é quase como uma missão, é preciso uma grande entrega, e eu tenho tentado ser uma professora paciente, atenta, presente e amiga, compreensiva também, mas não compactuo com a preguiça, aquela de que também eu sofro, continuo a ser estudante de chinês e sei o quanto custa estudar uma língua totalmente diferente da nossa, mas é aí também que está o encanto, é na dificuldade que nos sentimos a cruzar ali o Cabo das Tormentas, e eu e eles, os meus alunos, continuaremos a remar para chegar a bom porto.
Também porque sei o quão difícil é, também lhes tento fazer ver que uma língua nova é como um tesouro, que temos de ir descobrindo pouco a pouco, desfrutando, e não ficando chateados porque é difícil, porque pensar numa outra língua é uma tarefa hercúlea, mas é possível, e quando chegamos ao outro lado, quando já compreendemos, quando já comunicamos, quando já a domámos sentimo-nos reis.
Com este meu trabalho descobri que há muita coisa a aprender para se poder ensinar eficazmente, que não basta sermos nativos numa língua para a ensinarmos e descobri também que a nossa própria língua é, por vezes, uma incógnita, na medida que transmiti-la é mais desafiante que dominá-la.
E agora em resposta a uma leitora e comentadora, a quem agradeço desde já os seus comentários curiosos e sempre perspicazes, digo-lhe que o ensino chinês pode ser verdadeiramente muito eficaz, porque os bons, os verdadeiramente bons alunos deste gigantesco país são como máquinas, conseguem num tempo record encaixar uma nova língua, mas desengane-se se pensa que é um processo natural. Não tendo conhecimento das realidades de Shanghai e Pequim garanto-lhe que os alunos são, sem dúvida, muito bons e muito trabalhadores, mas é à custa de sacrificar tudo o resto, é à custa de muito decorar, de muito "marrar", de, como verdadeiras máquinas, engolirem e assimilarem um dicionário tipo enciclopédia. E o fruto disso é essa posição mas deve-se, a meu ver, mais a sacríficio que a inteligência. Mas bom, se lhes valeu uma boa posição no ranking mundial da educação então todo o sacríficio terá valido a pena.
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